Título original: "Tucker's Kobold". Editorial escrito originalmente por Roger E. Moore na revista "Dragon", edição número 127, Vol. XII nº 6, publicada originalmente em 02 de novembro de 1987.
Traduzido por Felipe Tuller.
O editorial deste mês é sobre os kobolds de Tucker. De vez em quando, recebemos cartas pedindo conselhos sobre como criar aventuras para personagens de níveis altos em AD&D®, e os kobolds do Tucker parecem se encaixar perfeitamente nessa proposta.
Muitos personagens de níveis altos não têm muito o que fazer porque não se sentem desafiados. Eles bocejam diante de um tarrasque e precisam ser mantidos acordados à força quando um lich aparece. Os Mestres envolvidos não sabem o que fazer, então acabam ignorando o problema, e os personagens caem no Limbo dos Personagens. Chegar a níveis altos é difícil, mas fazer coisas interessantes depois de chegar lá é ainda pior.
Um dos principais problemas no design de aventuras é criar oponentes que consigam desafiar personagens poderosos. Monstros únicos, como tarrasques e liches, são fáceis de enfrentar em grupo; a equipe pode concentrar seus poderes no alvo até que ele caia morto com as patinhas para cima. Tentar criar monstros mais poderosos do que um tarrasque é declarar derrota; se o grupo matar seu supermonstro, o que você vai fazer depois? Chamar a mãe do mostro? Isso não funcionou com Beowulf, e provavelmente também não vai funcionar aqui.
Pior ainda: supermonstros individuais raramente precisam pensar. Eles apenas usam sua confiável e previsível sequência de ataques garra/garra/mordida. Isso não deveria ser o padrão de qualidade de uma campanha. Esses jogos perdem força porque não oferecem desafios aos jogadores, nem estímulo mental — nem um perigo real.
Em todos esses jogos que eu já presenciei, os piores, os mais horríveis, os mais terríveis inimigos que enfrentamos eram, muitas vezes, mais fracos do que os personagens que lutavam contra eles. Eram apenas seres bem armados e inteligentes, interpretados pelo Mestre de maneira a serem absolutamente implacáveis e astutos. Os kobolds do Tucker eram assim.
Tucker mestrava uma masmorra incrivelmente perigosa na época em que eu estava destacado no Forte Bragg na Carolina do Norte. Essa masmorra tinha corredores que transformavam todos os nossos burros de carga em demônios flamejantes gigantescos ou que lançavam o grupo inteiro em piscinas de ácido, mas os demônios pareciam brincadeira de criança se comparados aos kobolds do Nível Um. Esses kobolds eram apenas kobolds normais, com 1d4 pontos de vida e tudo mais, mas eles eram malvados. E quando eu digo malvados, quero dizer maus mesmo, Jim. Eles se formaram magna cum laude no Instituto Sauron para Criminosos Crueis.
Quando entrei no grupo de jogo, alguns dos personagens já haviam encontrado os kobolds do Tucker, e eles não estavam nem um pouco ansiosos para repetir a experiência. O líder do grupo examinou o mapa da masmorra que eles haviam criado e tentou encontrar alguma forma de evitar os tais bichinhos, mas era impossível. O grupo se resignou a tentar correr pelo Nível Um até alcançar os elevadores, onde poderíamos descer ao Nível Dez e enfrentar monstros “aceitáveis”, como os demônios flamejantes gigantescos.
Não funcionou. Os kobolds nos alcançaram cerca de 18 metros dentro da masmorra, trancaram a porta atrás de nós e a barraram. Depois, incendiaram o corredor, enquanto ainda estávamos nele.
“NÃÃÃÃO!!!” gritou o líder do grupo. “São ELES! Corram!!!”
Encorajados dessa forma, nosso grupo disparou por um corredor lateral, apenas para cair numa emboscada de mais kobolds disparando bestas leves através de frestas e buracos nas paredes e no teto. Kobolds com armaduras de metal e escudos lançavam coquetéis molotov contra nós por trás de grandes montes de entulho em chamas, que outros kobolds empurravam adiante com longas hastes de metal, como se fossem vassouras. Não havia dúvida. Aqueles kobolds eram maus.
Viramos a cabeça para o nosso líder em busca de orientação.
“AAAAAAGH!!!” ele gritou, levando as mãos aos rosto para não ter que confrontar a realidade da situação tática.
Nós abandonamos nossos burros e a maior parte dos ítens que carregávamos nas costas para tentar acelerar a nossa fuga em direção aos elevadores, mas fomos interceptados por kobolds franco-atiradores que conseguiam se mover e atirar, recuando para trás de pedras e cantos após atirar flechas, virotes com ponta de aço, lanças, machadinhas e mais frascos de óleo em chamas. Nós fugimos por uma área inexplorada do Nível Um, tomando dano o tempo todo. Foi aí que descobrimos que os kobolds haviam transformado o primeiro nível num verdadeiro formigueiro de túneis pequenos para conseguirem se mover mais rapidamente. Havia kobolds atuando como soldados comando em toda parte. Todos os nossos mercenários morreram. A maioria dos ajudantes também. Nós éramos os próximos.
Eu lembro que havia um mago de nível 12 conosco, e pedimos a ele para lançar alguma magia. “Detona eles!” gritamos enquanto corríamos. “Bola de fogo neles! Acaba com esses @#+$%*&!!”
“O quê?! Nesses corredores estreitos?” ele gritou de volta. “Vocês querem que a gente exploda junto deles?”
Nossa fuga desesperada nos levou a um corredor sem saída, onde um imenso tubo de ventilação descia direto rumo a uma escuridão indescritível, muito além do Nível Dez. Ali, de modo apressado e atrapalhado, nós cravamos estacas no chão e nas paredes, lançamos cordas pela beirada e descemos direto rumo àquela escuridão indescritível, porque qualquer coisa que nos esperasse lá embaixo com certeza seria melhor do que aqueles kobolds.
Nós escapamos, encontramos alguns demônios flamejantes gigantescos no Nível Dez, e até conseguimos matar um deles depois de cerca de uma hora de combate no qual perdemos metade do grupo. Nos sentimos revigorados, mas ninguém conseguia animar o líder do nosso grupo
“A gente ainda vai ter que sair pelo mesmo caminho por onde entramos”, disse ele, sorumbático, enquanto começava a dividir o tesouro.
Os kobolds do Tucker foram a pior coisa que conseguimos imaginar. Eles comeram todos nossos burros, roubaram nosso tesouro e fizeram tudo o que podiam para nos fazer sofrer. Apesar disso, eles tinham estilo, cérebro, tenacidade e coragem. Nós tínhamos respeito por eles e até amor, de certa forma, porque eles nunca eram entediantes.
Se kobolds conseguiram fazer isso com um grupo de personagens entre os níveis 6 e 12, imagine o que alguns orcs e NPCs de nível baixo podem fazer com um grupo de nível 12 ao 16, ou uma gangue de NPCs e monstros de nível médio contra grupos de até 20º nível. Então teste isso. Às vezes, são as pequenas coisas — quando bem usadas — que fazem a diferença.