06 fevereiro, 2024

Um dragão de 16 PVs - Texto de stras

Título original: "A 16 HP Dragon"
Escrito originalmente pelo usuário "stras" em forma de comentário 
no fórum online do Dungeon World em 14 de maio de 2012, e transposto para o site oficial de Sage LaTorra em 15 de maio de 2012.
Traduzido por Felipe Tuller

 

Nas discussões do fórum de Dungeon World, o usuário "stras" deu um exemplo de jogo que descreve perfeitamente por que me importo tanto com DW a ponto de dedicar todo esse esforço a ele:

"Azato,

Todos nós jogamos centenas de videogames e RPGs 'clássicos' (com os tropos clássicos de fantasia), nos quais aprendemos que lutar contra o monstro é uma questão de causar pequenos golpes suficientes para derrubá-lo enquanto vivemos o suficiente para fazê-lo (o modelo de WoW ou Final Fantasy).

Mas em Tolkien, Smaug devastou uma vila, matou milhares, e foi morto por uma única flecha colocada precisamente em uma brecha de sua escama.

Pense nessas lutas mais em termos de literatura e ritmo, em vez do clássico 'ele tem X de pontos de vida e temos que bater Y vezes com Q acertos para derrubá-lo'. O problema neste contexto é que não há ficção sendo levada em consideração, esta é uma solução mecânica (uma simulação) de uma espada consistentemente causando dano e ajustando os pontos de vida do monstro para permitir o mesmo método (bater) seja aplicado a todo problema (monstro).

Eu tive esse problema. Eu tive que voltar no texto quatro vezes quando li que um DRAGÃO tem 16 pontos de vida (um ranger de nível 1 pode causar isso ao rolar dano máximo). No entanto, deixe-me descrever um combate para você e talvez isso lhe dê uma 'noção' do que está acontecendo.

Então: o grupo precisava de um item mágico, e eles pesquisaram e descobriram que um herói empunhando o referido item foi morto por um dragão. Eles recebem algumas informações de um servo de um dragão em forma dracônico-humana, e vão lá e roubam o referido item. Lembre-se, "item mágico" neste mundo não significa 'mágico' no sentido de 'arma +1', e sim que esta lança pode perfurar almas e por isso é necessária para derrotar um rei feiticeiro. Ok, então temos um dragão muito zangado prestes a atacar algo. Lembrando: 16 pontos de vida - preparado?

O grupo está cavalgando de volta à cidade, pronto para um bom banho quente, reabastecer suprimentos (suas rações estavam acabando) e um foco renovado em caçar o rei feiticeiro. A lua some por um segundo, eles sentem o vento mudar, e então algo pousa sobre o prédio da prefeitura com um estrondo enorme. Eles têm apenas alguns segundos para piscar antes de verem uma cabeça reptiliana serpentear para baixo e rasgar um guarda vestindo cota de malha com um único golpe (prenuncia uma ruindade futura, este é o rótulo 'grotesco')*1. Eles aumentam a velocidade e seguem em direção à cidade. Eu boto um papel na mesa, e rapidamente desenho algumas ruas sinuosas, esboço algumas casas quadradas, boto um dado grande para representar o dragão. Enquanto eles estão prestes a entrar, eu pego um punhado de fichas vermelhas e descrevo a inalação que eles sentem de longe, e as palavras em língua dracônica, e basicamente despejo um monte de coisas vermelhas na cidade e explico que está pegando fogo e como as chamas estão sendo moldadas e comandadas pelo dragão.

Seus cavalos enlouquecem. Eles conseguem desmontar (alguns levando um pouco de dano de um cavalo correndo em pânico e um deles sendo atingido por um galho). Eles começam a avançar por essa paisagem infernal, onde uma sombra disforme descia e partia alguém ao meio, e pessoas queimando até a morte imploram por misericórdia e ajuda enquanto seguram crianças enfaixadas se transformando em cinzas em seus braços.

O grupo começa a ajudar os moradores da cidade (o lugar não possui fonte de magia, então o mago não pode simplesmente criar um ritual de chuva) quando um prédio se despedaça com o pouso de uma criatura de 4 ou 5 toneladas, e ele abre suas narinas, seus olhos dourados queimando e sua pele metálica ressoando com um rugido (aterrorizante).

Seus companheiros se dispersam, os PJs têm que desafiar seu próprio terror para atacar a criatura. Eles causam um dano negligenciável ("aêê!" para a armadura 4) para aqueles que CONSEGUEM FAZER alguma coisa, e percebem que a única pessoa que tem uma chance de matar aquilo é o mago com feitiços de penetração de armadura. Infelizmente, o dragão percebe o mesmo.

O que se segue é horrível. Um guerreiro assume posição defensiva, quando o dragão acerta ele não causa só 1d10+5 de dano, ele arranca o braço dele fora ("grotesco", lembra?) e rasga sua cota de malha como se fosse papel. Ele usa ataques de sopro de fogo que fazem TODOS eles Desafiarem o Perigo ou queimarem*2.

O grupo se separa e foge. O dragão ri e se acomoda ali para reduzir a vila a cinzas e comer todos os sobrevivente.

O Dragão tinha 16 pontos de vida. O grupo deu 9 de dano antes de ir embora. E quando eu disse "ir embora", quero dizer que eles correram como coelhos pela noite com poucas provisões, nenhum meio fácil de recuperá-las e nenhum pensamento em suas cabeças além de sobreviver.

A moral da história é: não é sobre pontos de vida. No meu jogo de D&D 4e, o grupo tinha uma dúzia de mortes de dragões em seu currículo. Os dragões eram ameaçadores mecanicamente, eram ardilosos, eram táticos, mas suas garras e dentes não causavam "dano", eles causavam "números". Depois desta sessão, eles explicaram que nunca tinham ficado tão assustados com um monstro.

Torne as lutas algo épico. Use a ficção. Descreva a pele deles enegrecendo por conta do fogo. Os ossos se partindo pelo agarrão de pedra inescapável do elemental de terra. A maioria das lutas apaga a ficção ao dizer que você sofre 5 de dano. Faça ela permanecer, torne-a difícil de curar, deixe-os marcados e endurecidos pela batalha, tendo conquistado cada cicatriz, e em cada ferida uma história.

Você não precisa de 2.500 pontos de vida para tornar um combate algo difícil ou assustador."


 *1 "Rótulo 'grotesco'", "'messy' tag" no original. Faz referência a um dos elementos do bloco de estatísticas de um monstro no sistema Dungeon World. Segundo o manual, "rótulos" descrevem como os monstros causam dano e o alcance de seus ataques. O rótulo "grotesco" especificamente diz respeito aos efeitos destrutivos de uma criatura e/ou de uma arma (Dungeon World. Sage LaTorra e Adam Koebel. Trad. Tiago Marinho. Belo Horizonte: Secular Games, 2013, p. 339).

*2 "Desafiar o perigo", "Defy danger" no original. Faz referência à mecânica de "movimentos", peça central em jogos "powered by the apocalypse". Segundo o manual, o movimento de "Desafiar o perigo" é desencadeado quando um personagem precisar "agir apesar de qualquer perigo iminente" ou for "sofrer alguma calamidade" (Dungeon World. Sage LaTorra e Adam Koebel. Trad. Tiago Marinho. Belo Horizonte: Secular Games, 2013, p. 56).

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