Segundo, tesouros também contam histórias. Cubra seu tesouro em símbolos religiosos, consagre-o com sangue de troll. Não deixe que suas moedas sejam moedas!
Lembre-se também que as masmorras contam suas histórias através de substantivos. A história da masmorra normalmente é contada através da escolha dos monstros (por que usar orcs quando você pode usar versões degeneradas e canibais dos anões que originalmente habitavam o local?) e da descrição destas criaturas (um zumbi-coberto-de-craca, um golem de ferro carbonizado por fogo de dragão, os retalhos de armadura élfica que os goblins estão vestindo, o rifle-cajado élfico que, por algum motivo, um dos goblins possui).
3. Algo para matar você
Masmorras são criadas para serem vencidas. É por isso que nós não as enchemos com obstáculos inescapáveis (pedras caem, todo mundo morre) ou barreiras impenetráveis (sinto muito, a masmorra inteira está envolvida numa cúpula de adamantina, vocês não conseguem entrar).
PORÉM, masmorras precisam passar a sensação de que foram criadas para serem invencíveis. É importante sentir que isso não é só uma pista de boliche onde o Mestre coloca os pinos para os jogadores derrubarem. Você precisa ter elementos mortais na sua masmorra mortal para que ela passe a sensação de ser mortal.
Siga apenas estas duas regras importantes. Tente seguir pelo menos uma delas.
- Rotule seus trecos mortais como tal. Um dragão dormindo. Uma porta barricada pelo lado dos jogadores com uma placa avisando sobre aranhas mortais. Essas coisas já se parecem mortais de longe.
- Uma chance de escapar. Talvez o dragão não caiba nos túneis menores ao redor de seu covil. Talvez a mantícora esteja acorrentada a uma pedra.
Ambos os pontos servem à mesma função: eles permitem que os jogadores escolham suas próprias batalhas, algo que você não consegue fazer em um jogo linear "nos trilho". Acho que é por isso que muitas pessoas da OSR odeiam lutas contra chefões: porque elas são a única batalha na masmorra que é obrigatória.
Monstros horríveis que podem ser evitados dão agência aos jogadores e permitem que eles sejam arquitetos de seu próprio fim.
Observação: eu acho que todos os combates deveriam ser escapáveis. Às vezes com algum custo (deixando para trás comida, ouro, talvez um PJ ou um auxiliar morto). Na minha experiência, PJs se matam com frequência suficiente mesmo que os inimigos nem saiam das salas nas quais estão.
Além disso, colocar monstros "invencíveis" na sua masmorra também permite que sua masmorra seja auto regulável. O grupo de nível 1 irá apenas passar de fininho pelo dragão, enquanto o grupo de nível 6 talvez considere lutar com ele para poder roubar o tesouro no qual ele está dormindo em cima. E, simples assim, uma masmorra se torna apropriada para grupos de nível 1 E TAMBÉM para grupos de nível 6 (e essa é outra razão pela qual eu acho que jogos OSR têm uma ampla gama de "níveis adequados" - é tão fácil quanto esperado que os jogadores fujam das batalhas que eles não podem vencer).
4. Caminhos alternativos
Caminhos alternativos permitem que grupos diferentes experienciem a masmorra de formas distintas. É um randomizador, similar ao que você conseguiria se pedisse salas de masmorra a um gerador de números aleatórios. E ele impede que você (o Mestre) fique entediado.
Agência do jogador. Os jogadores podem escolher o caminho para o qual estão mais preparados. Um grupo com 2 clérigos pode escolher o túnel infestado por zumbis, e o grupo com apoio aéreo pode aterrissar no pátio. Isso também ajuda a masmorra a ser um pouco auto-ajustável. Jogadores mais confiantes podem enfrentar a porta dianteira, enquanto grupos de níveis mais baixos se esgueiram ao redor pelo lado de fora.
Isso permite que os grupos evitem salas que eles não gostam. Parte da filosofia da OSR (do modo como eu enxergo) é a capacidade de evitar combates. Se um grupo não quer lutar contra uma sala cheia de esqueletos arqueiros enterrados nas paredes (especialmente depois que eles foram cegados na última sala) eles podem recuar e encontrar outra entrada. É uma opção que eles tem.
A última razão para ter múltiplos caminhos é permitir a mestrificação de masmorras*1. Eu não quero dizer "mestragem" de jogo. Quero dizer que, à medida que os jogadores aprendem mais sobre a masmorra, eles se tornam melhores em se aproveitar de sua geografia. Eles podem atrair o verme de carniça para a armadilha de alçapão que eles sabem que está lá. Eles podem recuar para um caminho em loop ao invés de recuar para salas inexploradas (uma tática sempre perigosa).
Ao mesmo tempo, não inclua caminhos aleatórios só porque sim. Quanto mais caminhos você adiciona, menos linearidade haverá na sua masmorra. E às vezes você quer linearidade, principalmente quando isso envolve ensinar coisas aos jogadores, ou dar pistas. Às vezes você quer mostrar aos jogadores o corredor estranhamente limpo antes deles esbarrarem com o cubo gelatinoso. Talvez você queira que eles encontrem os zumbis com mãos de gancho antes de encontrarem a sala das mãos rastejantes ambulantes.
Não há nada de errado com um pouco de linearidade se você estiver acrescentando isso por alguma razão. Eu ainda acho que uma masmorra fortemente ramificada deva ser a suposição padrão, mas seções lineares de uma masmorra são um pecado venial, e não um pecado mortal.
5. Alguém para conversar
As pessoas esquecem esse ponto, porém este é o que eu mais me importo. Me importo tanto para usar caps lock: TODA MASMORRA PRECISA TER ALGUÉM PARA CONVERSAR. É um jogo de interpretação de papéis. NPCs são a maneira mais simples e mais fácil de dar profundidade à sua masmorra. É fácil porque todo mundo sabe como interpretar um goblin prisioneiro genérico e tem uma boa ideia de quais informações/serviços aquele goblin prisioneiro pode oferecer. E isso traz profundidade porque há diversas formas de como o grupo pode usar o goblin prisioneiro. Não há praticamente nenhuma encheção de linguiça - você não precisa inventar novas mecânicas e praticamente não gasta espaço ao escrever "há um goblin numa jaula. Seu nome é Zerglum e ele foi preso por seus colegas por ter libertado os ratos".
O problema é que muitas masmorras são cofres de tesouros, tumbas e minas abandonadas. A única criatura que normalmente se encontra nesses locais são mortos-vivos, golems, limos e vermes com cadeias alimentares ambíguas. Nenhum desses é conhecido por serem tagarelas. Então, aqui estão algumas opções:
- Grupo de aventureiros rivais.
- Goblins nunca precisam de uma justificativa.
- Efeito mágico, como um feitiço de Boca mágica tagarela ou algo assim.
- Ninfa do cemitério.
- Fantasmas. Crie um do tipo simpático. Todo mundo espera que eles sejam babacas.
- Uma cabeça de ghoul, apoiada numa prateleira. Ela consegue falar se você soprar pelo buraco do pescoço.
- Um velhinho preso em uma pintura. Se comunica através de pinturas.
- Um demônio preso em um espelho. Se comunica repetindo as frases de quem fala com ele.
- Uma máquina de guerra antiga aprisionada por uma mina em estase. Procura inimigos que morreram há milhares de anos atrás, irá se autodestruir quando descobrir que perdeu a guerra.
- Considere dar feitiços como Falar com os mortos ou Falar com fechaduras aos seus jogadores. Masmorras normalmente possuem essas coisas.
- Súcubo demoníaca que passou os últimos 1.000 anos em uma cama, aprisionada por fios de prata tecidos em círculos no lençol.
- Bárbaros montando pterodáctilos que estão saqueando o local.
- Um mago deslocado temporalmente, preso em um paradoxo enquanto explorava o local. Reseta a cada 3 minutos.
6. Algo para experimentar
Além de algo que provavelmente vai descer o cacete no grupo, eu acho que esse ponto é o mais OSR da lista.
São coisas inexplicáveis, o estranho e o desconhecido. E não quero dizer desconhecido no sentido de que uma poção não identificada é desconhecida. Quero dizer algo que introduza uma nova camada no jogo.
- Uma sala com duas portas de tamanhos diferentes. Tudo que é colocado na porta pequena emerge da porta grande com o dobro do tamanho e vice-versa. Tudo que atravessa a mesma porta duas vezes na mesma direção (aumentado duas vezes, diminuído duas vezes) recebe consequências terríveis.
- Um pedestal. Qualquer coisa colocada sobre ele se torna algo oposto (então, o oposto de uma espada é um machado, mas qual é o oposto de uma banana?)
- Um esqueleto de metal. Se um crânio é colocado em cima dele, Falar com os mortos é conjurado sobre ele.
- Poços dos desejos que são portais para outras pequenas lagoas da masmorra. Aonde o portal leva é determinado por qual item você joga no poço antes de entrar nele. Moedas de cobre, moedas de prata, moedas de ouro, gemas e flechas levam a lugares distintos.
- Uma máquina que transforma produtos processados em matéria bruta, e matéria bruta em munições.
- Um relógio solar que controla o sol.
- Um golem-barco que foge de barulhos altos. Você pode direcionar seu movimento ficando na parte de trás e gritando.
- Dois buracos numa parede. Se dois membros são colocados nos buracos, eles são trocados. Se apenas um membro é colocado no buraco, ele é amputado. Pode ser utilizado para acoplar novos membros em pessoas amputadas.
Há uma coincidência aqui com itens mágicos. Também há coincidência com coisas não-mágicas. Também há uma coincidência com combates, porque alguns combates podem ser como quebra-cabeças, ou podem depender de novas regras/condições de vitória.
Combate, para jogadores experientes, em sua maioria, é um problema já resolvido. Trecos estranhos são importantes porque dão aos jogadores um problema não resolvido.
Jogadores sabem como tirar melhor proveito de seus ataques e habilidades. Claro, você pode sacudir um pouco as coisas e forçá-los a pensar em táticas diferentes. Mas, na maior parte dos casos, eles já sabem como utilizar seus personagens da melhor forma. Afinal de contas, eles já vem praticando isso por vários níveis de personagem.
(é importante deixar que seus jogadores pratiquem as coisas nas quais eles são bons, ou seja, combater com seus personagens, mas também é importante jogar umas chaves inglesas nas engrenagens).
Trecos estranhos seguem suas próprias regras. De uma hora para outra, os jogadores não sabem como resolver um tal problema e eles têm que descobrir de novo.
Pontos extras se for algo que tem o potencial de desbalancear o seu jogo. Nada dá a um jogador mais agência do que a habilidade de tirar completamente o seu cenário dos trilhos (não que você precise ir tão longe).
Mais pontos extras se for algo que à primeira vista provavelmente irá machucar os jogadores, mas que pode ser usado para seu benefício uma vez que eles entendam como aquilo funciona.
Uma última mordomia: isso dá aos personagens de nível 1 a chance de serem jogadores de nível 10. Qualquer pessoa pode colocar um braço num buraco na parede, e qualquer pessoa pode deduzir o que aquilo faz. Trecos estranhos normalmente apresentam ameaças e recompensas que independem do nível do grupo *2.
7. Algo que os jogadores provavelmente não irão encontrar
Este ponto talvez seja controverso. Por que colocar coisas na sua masmorra que seus jogadores não irão encontrar?
Primeiro, você não precisa colocar muitas coisas na masmorra. Apenas algumas palavras aqui e ali para recompensar os jogadores que são mais minusciosos. "Dentro do estômago do vorme púrpura há uma bolsa do infinito cheia com 1.000 galões de ácido estomacal de vorme púrpura". Ou "o capitão pirata tem uma barra de ouro escondida em sua perna postiça, envolvida em feltro para que não fique retinindo". Não é como se você estivesse criando várias salas legais que ninguém vai apreciar (que dizer... às vezes eu faço isso).
Eu acho que é importante esconder coisas porque há um prazer sincero em explorar e testar os limites. Se todas as coisas na masmorra são óbvias, por que se importar com o que está no fundo do poço? Há algo interessante enterrado debaixo de toda essa lama? Jogadores que não tem tempo ou recursos para explorar 100% a masmorra (e eles não deveriam ter) sempre sairão com uma sensação de enormidade, de que sempre haveria mais a ser encontrado.
Claro, completude é uma sensação boa, mas maravilhamento também é.
Eu gosto de recompensar pessoas que são boas no jogo. E ser bom em encontrar coisas (pensando em onde elas podem estar, explorando estes locais apesar dos riscos envolvidos) é uma das formas que o jogador pode ser bom em D&D. Eu já escrevi sobre isso
antes.
Esse ponto deve ser um espectro. Algumas coisas (a maioria das coisas) devem estar à céu aberto. Algumas coisas devem estar escondidas por detrás das cortinas. E algumas coisas devem estar profundamente enfiadas nas dobras da masmorra.
Então, sim: da próxima vez que você decorar uma sala com um mural de um rei derrotado prestando tributo ao seu conquistador, coloque de fato um baú com tesouros nas paredes atrás da pintura de um baú com tesouros (eu mestrei essa masmorra três vezes e ninguém encontrou ele. Eu fico animadinho toda vez que eu descrevo isso para os jogadores).
Também há esqueletos mortos-vivos enterrados na parede atrás das pinturas de esqueletos. Ninguém os nunca os encontrou também. Mas, um dia, um grupo com a dose certa de ganância, esperteza e paciência irá encontrá-los, e isso vai ser incrível.
*1 "dungeon mastery" no original. Aqui o autor faz uma brincadeira com o termo "Dungeon Master", ou "DM", um termo comum em inglês para se referir ao "mestre do jogo" dos RPGs.
*2 "level-agnostic" no original. Uma brincadeira com o termo "system-agnostic" ou "independente do sistema", que é utilizado para dizer que uma aventura ou algum material de RPG que não tem o seu uso restrito a um sistema de RPG específico.
Adorei este epi, é exatamente assim q penso ao conduzir minhas masmorras na minha campanha mesa aberta de baróvia OSR. Fico contente q tem outras pessoas com pensamentos alinhados, se eu tivesse conhecido o texto deste gringo anos atrás teria me poupado mt tempo de playtest p chegar nestas conclusões haha
ResponderExcluirEu não uso monstro fixo em sala de masmorra como se fosse videogame. A não ser que seja algo q faça sentido em ser estático, um golem q só se move p proteger o tesouro ou fungo amarelo preso as paredes por ex, de resto trato a Dungeon como trato os ermos, como algo "vivo". Anoto as criaturas q moram lá e sua quantidade, rolo encontro aleatório a cada 2 turnos (20 min no b/x) e tenho uma tabela específica p os seres p Dungeon. Dependendo do momento q acontece o encontro, situações ficam diferentes e imprevisíveis, mantendo o clima de tensão de invadir o lugar q pode ser território de alguém.
Por ex, saiu 2 goblins na tabela próximos a um canto isolado na caverna, rolei e vi q eles não perceberam os personagens, tão tranquilos. Um pode ta se aliviando em um canto e o outro distraído, afinal eles morão ali. Saí um hobgoblin e 4 goblins, p lider ta conduzindo uma patrulha pq achou corpos... Etc...
Este tipo de pensamento melhorou mt minhas mesas, até pq raramente os jogadores em um sistema tão mortal, limpam a Dungeon com o pé na porta como se fosse uma 5° ed. Eles exploram, testam, voltam p o marco seguro, voltam, pensam em estratégia p sobrepujar alguma armadilha, pegam tesouro, voltam, resolvem ir p outro lugar, dinheiro acaba, resolvem voltar a explorar aquela Dungeon, deixam rastros, etc... Uma DG grande levam de 6 a 8 meses p limpar, jogo semanal d 2 hrs a sessão.
Curto mt o podcast e tbm as onepage dungeons uhuh abraço
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